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Curso de trancista transfere saberes ancestrais no Instituto Afropira, em Piracicaba (SP)

  • Foto do escritor: O Canal da Lili
    O Canal da Lili
  • há 12 minutos
  • 7 min de leitura

*Por: Eliana Teixeira


Box Braids, Fulani Braids, Goddess Braids, Boho Braids, Twists... Muitos são os modelos de tranças, na atualidade, que carregam a cultura e a história do continente africano. As tranças chegaram ao Brasil por meio do tráfico transatlântico de escravizados, durante o período colonial. Povos africanos de várias regiões - principalmente da África Ocidental e Central - já usavam tranças como forma de expressão cultural, distinção social, identidade étnica, status civil, espiritualidade e até como meio de comunicação para rotas de fuga codificadas. E atravessando séculos, o trançar se fortaleceu como algo terapêutico, tanto para quem trança quanto para quem é trançado, com realização de cursos para interessados, além de ser uma atividade que requer aperfeiçoamento profissional e gestão de negócios.





Com o objetivo de transferir os saberes e técnicas ancestrais, o Grupo Trançar Terapêutico do Projeto Raízes Nagô, que neste ano está em sua 4ª edição e é realizado pelo Instituto Afropira – organização dedicada à cultura negra -, promove em Piracicaba (SP) curso de formação de trancistas. Coordenado por Isabel Farias, 41 anos, e ministrado por Mirian Aguiar, 40 anos, o curso do Trançar Terapêutico iniciou em março e tem término previsto para novembro, com 20 alunos da faixa etária de 16 a 40 anos. “A gente conversou e juntas, eu e Mirian, idealizamos essa proposta de trazer até o espaço do Afropira o curso que é totalmente gratuito, com apoio da Sueli Eleutério, que forneceu todo o material para a gente, através de uma doação. O apoio do Bloco Peixe Frito também foi muito importante para que a gente conseguisse tirar esse projeto do papel”, conta a coordenadora Isabel, a Bel Farias.


Como na infância de muitas mulheres pretas, era a mãe de Bel Farias que trançava o cabelo dela. Isso estreitou os laços entre mãe e filha e despertou o interesse pelo trançar. “Comecei a trançar o cabelo da minha própria mãe, que me ensinou e fui trançando das demais mulheres familiares. A minha primeira profissão foi como trancista, aos 12 anos de idade. Fiz curso como cabeleireira e, numa profissão onde a gente está cuidando da autoestima, da estética do outro, a gente acaba ouvindo muitas dores, o que me levou a querer fazer psicologia, curso que estou me formando”, relata Bel.


Professora do curso, Mirian Aguiar iniciou profissionalmente como trancista, aos 15 anos de idade. Ela aprendeu a trançar o cabelo da avó dela, que ela era acamada. “Faz 25 anos, nesse ano, que eu sou trancista. Quando eu comecei nas tranças, eu não entendia que trançar era uma profissão. Então, eu comecei a fazer as tranças para fora, mas logo em seguida eu fiz um curso de cabeleireira. Me formei também como manicure, como designer de sobrancelhas, mas a minha paixão sempre voltava para as tranças. Eu tentei ir para as outras profissões, mas as tranças sempre me puxavam para minha realidade, que é o amor que eu tenho”, afirma Mirian.



Entre os capítulos da história de Mirian, nesses 25 anos como trancista, há insucesso em sociedade, interrupção da atividade autônoma para trabalhar com registro em carteira de trabalho e até uma depressão em 2014. “Eu tive uma depressão profunda e durante essa depressão, o que me tirou daquilo foram as tranças. E foi nesse momento que eu me encontrei no Instituto Afropira. Encontrei a Bel, que me convidou para participar dos quadros de beleza”, relembra.


TRANÇAR TERAPÊUTICO

O nome grupo, Trançar Terapêutico, segundo a coordenadora Bel Farias, está relacionado ao cuidado no acolhimento às pessoas durante a atividade. “Nós temos todo um diálogo, uma amizade, um vínculo. A gente faz uma roda de conversa, estamos criando laços para a gente levar pra vida. Não é só a atividade do trançar. Temos apenas dois meses de aula e o grupo é só sucesso! E a psicologia, como já estou me formando, está dando esse suporte psicológico”, explica Bel, lembrando que o curso de trancista inclui aulas teóricas, como a história das tranças.


Para a professora Mirian, participar o Grupo Trançar Terapêutico foi um resgate para sair da depressão. Ela diz que ter contato com outras pessoas do projeto a fez se reencontrar, se reconectar. “Eu comecei a dar um pouco mais de valor ao dom que Deus me deu. Aí eu voltei a fazer tranças. Hoje, sou escrevente em um cartório de registro de imóveis e me formei recentemente como administradora”, destaca.


Entre os 20 alunos do curso do Trançar Terapêutico, está Luana Paes Marques, 17 anos, que após a pandemia, em 2023, conheceu pessoas que trabalhavam com tranças. Foi então, que Luana usou tranças pela primeira vez. “Usar tranças alavancou a minha autoestima de uma forma inacreditável. E o Instituto Afropira eu já conhecia, quando eu descobri pelas redes sociais que eles iam fazer um curso de graça de tranças”, conta a jovem que viu no curso uma oportunidade de aprender mais sobre sua identidade étnica.


Estudante do 3º ano do ensino médio, Luana trabalha em vaga do programa Jovem Aprendiz e pretende prestar vestibular para psicologia. “O meu objetivo aqui no curso é aprender a mexer no meu cabelo. É muito recente, o fato de eu ter me descoberto preta, porque a minha família é preta, mas isso nunca foi uma pauta. Para meus pais meus, avós isso não era necessário ser falado”, explica sobre seu interesse pelo curso de trancista. “Porém, se algum dia eu precisar de um dinheirinho extra, eu tenho uma profissão”, completa.


Dos 20 alunos do curso de trancista, apenas dois são do sexo masculino. Um deles é o dentista Lucas Esteves Amaral, 26 anos. “Eu faço o curso como hobby mesmo, mas é sempre bom aprender. É um conhecimento que eu quero levar para minha vida”, diz Lucas, que ressalta que a atividade proporciona conhecimento ancestral. “Esse conhecimento, junto a ele vem a ancestralidade, a questão da nossa força, da nossa raça. Tem a parte cultural também, da valorização da ancestralidade”, avalia.


AULAS QUE EMPOLGAM

Nas aulas realizadas no Instituto Afropira, aos sábados à tarde, os alunos aprendem a trançar, inicialmente, em manequins, aplicando os conhecimentos teóricos. Aluna bastante empolga com os novos aprendizados, a professora do ensino infantil, Talita Estevam de Barros, 40 anos, pretende usar o conhecimento do curso no seu dia a dia profissionalmente. “Sou uma professora antirracista em construção. A gente tem um cantinho lá na escola com a curvatura dos cabelos, com os cremes e eu tenho um momento que me sento com a criança de maneira individual. Geralmente, eu fazia penteados e tranças, mas sem as técnicas”, justifica o porquê escolheu o curso de trancista.


Em Piracicaba, na escola municipal onde Talita é professora, o cabelo é algo trabalhado com os alunos desde o berçário, no momento do banho, pelas pedagogas. Talita destaca também que o fato de pertencer a uma família de mulheres empoderadas, a faz levar a valorização étnica para as salas de aulas.


“Eu vi no Instagram é que ia ter uma oportunidade de aprender a trançar e, ao mesmo tempo, de uma maneira gostosa, ser uma terapia. A gente pode aprender as técnicas e conversar sobre a vida também”, afirma a professora. “A pedagogia está desde o momento de higienização até o momento pedagógico. E o nosso cabelo é um ato político”, complementa.


SEBRAE E GESTÃO

Para Mirian Aguiar, tão importante quando o talento, é a gestão dos negócios, o que nem sempre a maioria dos trancistas consegue realizar. “Eu percebo que, como a gente recebe dinheiro diariamente, a gente não tem esse olhar de que, futuramente vai se aposentar, vai precisar ter o algum valor (dinheiro). Por isso, fiz faculdade de administração, para aprender a administrar e a gerir o meu próprio negócio. Hoje, graças a Deus, eu tenho meu próprio espaço. Também trabalho fora pelo regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)”, conta ao destacar que os cursos que fez pelo Sebrae lhe deram outras perspectivas sobre o empreendedorismo.


“Ser trancista não é só uma arte, é uma profissão que demanda que se formalize, pague o MEI (Microempreendedor Individual) todo mês certinho, porque se amanhã ou depois você ficar doente, sofrer uma lesão durante o seu trabalho, você vai ter respaldo do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) também. E é uma forma também de você começar a gerir melhor o seu negócio”, analisa Mirian.


Aos que desejam levar a atividade de trancista profissionalmente, Mirian ressalta a necessidade de se administrar o negócio da forma correta. “Eu terminei a faculdade em 2023, mas precisava saber precificar. Então, o primeiro passo foi procurar o Sebrae, onde encontrei um curso de precificação, consegui entender sobre fluxo de caixa, estoque de materiais, como gerir o lucro, entradas e saídas”, enumera sobre o aprendizado no Sebrae.

Segundo Mirian, o Sebrae abriu para ela um leque de informações. “Fiz uma mentoria também, o Sebrae Delas (programa de aceleração para mulheres). Naquele curso, eu tive uma mentoria financeira antes de eu abrir meu negócio, o que me ajudou na parte de gestão”, afirma.


O que aprendeu no Sebrae, Mirian passa aos alunos do Trançar Terapêutico para que tenham condições de trabalhar com remuneração proporcionada pela atividade. “Vamos supor, de terça a sábado, se o profissional tiver clientes todos os dias, ele consegue uma média de R$ 3.000 a R$ 3.500 por mês, se estiver começando. Se ele quiser sair daqui para trabalhar, show! E hoje em dia, o meio para você ter mais visibilidade, para se promover no mercado de trabalho, são as redes sociais: É postar, é marcar, é fazer colab (postagens em colaboração com outro perfil), é conseguir parcerias”, orienta.




RECONHECIMENTO PROFISSIONAL

De acordo com a deputada federal Dandara Tonantzin cerca de 15 mil profissionais se identificam como trancistas no Brasil, sendo a maioria mulheres pretas que desempenham um papel fundamental na valorização da estética afro e no fortalecimento da autoestima da população negra. A deputada Dandara é autora do Projeto de Lei nº 1747/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, que visa regulamentar essa atividade profissional.


Em Piracicaba (SP), cidade onde fica a sede do Instituto Afropira, a atividade de trancista recebeu reconhecimento oficial por meio da Lei Municipal nº 10.101, sancionada em 1º de julho de 2024. Essa legislação institui o Dia da Pessoa Trancista no Calendário Oficial de Eventos do Município, destacando a importância cultural e social das trancistas na preservação e valorização das tradições afro-brasileiras.


IV RAÍZES NAGÔ

Nos dias 5 e 6 de julho de 2025, acontece a 4ª edição do Raízes Nago – Encontro de Trancistas e Turbancistas de Piracicaba e Região. O evento foi contemplado no edital de chamamento público nº 04/2024 com recurso da PNAB – Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, na categoria Turismo Cultural, Artes Visuais, Economia Criativa, Literatura e Patrimônio e Memória. O evento – a programação tem oficinas, palestras, rodas de conversa, apresentações artísticas, serviços de beleza e desfile de representatividade - é realizado pelo Instituto Afropira, com produção executiva de Elaine Teotônio e produção geral de Mestre Marquinho.

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