Durante o período colonial, aproximadamente 4,6 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil como escravos. Não foi apenas um povo da pele cor de ébano que havia sido retirado violentamente de seu país de origem. Foram inúmeros povos de línguas e dialetos diferentes, amontoados em condições deploráveis em navios negreiros que fizeram a violenta travessia do Oceano Atlântico, assim como chicotes que cortaram corpos negros por mais de três séculos de escravidão. E enquanto se erguia um país com suor e sangue de escravizados, houve muita resistência também. Entre elas, Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, executado em 20 de novembro de 1695, cuja data também é o Dia da Consciência Negra. Para falar sobre as consequências ainda sofridas por quem descende de povos escravizados, das medidas necessárias para se enfrentar a discriminação racial, entre outros fatores relevantes, O Canal da Lili está Linkado com: Professor Antonio Filogenio de Paula Junior na Consciência Negra. Antonio Junior, 51 anos, é graduado em Filosofia, com mestrado e doutorado em História e Filosofia da Educação. Nascido em São Paulo, além de professor, ele é programador cultural na Biblioteca Municipal de Piracicaba (SP), cidade onde mora desde 1989. Confira a entrevista:
Em pleno ano de 2021, na sua opinião, ainda se faz necessário explicar a importância de Zumbi dos Palmares para a comunidade não-negra? O que mudou, desde a instituição em novembro de 2011, por lei, do Dia da Consciência Negra até os dias atuais para a comunidade negra?
É fundamental se conhecer a história de Zumbi, assim como, toda a história dos negros e suas contribuições na formação do Brasil. As políticas de ação afirmativa e os debates sobre as questões raciais avançaram em diferentes setores da sociedade, contudo ainda carecem de uma efetiva implementação, o que revela a necessidade permanente de atenção e reivindicação dos direitos já conquistados. Infelizmente, desde 2018, com ênfase na última eleição federal, temos assistido a tentativa de desqualificação e desmonte dessas políticas.
A instituição do 20 de Novembro faz parte de uma série de medidas tomadas no início dos anos 2000 como forma de reparação e valorização do povo preto brasileiro. Como avalia essas conquistas e o que falta como reparação?
São conquistas oriundas das lutas do movimento negro e sua capacidade de articulação e mobilização na sociedade brasileira. No entanto, a dura presença do racismo estrutural dificulta a compreensão maior de que as pautas sociais que envolvem a questão racial solicitam a revisão dos espaços de privilégio, o que implica que se trata de uma luta que requer o envolvimento dos não negros ou brancos em descontruir os pilares coloniais de dominação que mantêm as injustas condições de falta de oportunidades às pessoas negras.
A formação da sociedade brasileira tem como alicerces a escravidão dos negros. Como isso influenciou as relações sociais e trabalhistas até os dias atuais?
Na desproporcionalidade da distribuição dos bens e no modo como o negro é visto no mercado de trabalho. São raras as empresas que têm investimentos em pessoal atento à qualificação profissional com reconhecimento de que o acesso de negros em cargos de liderança é mais complicado. A empresa Magalu, por exemplo, tem conduzido programas voltados a garantir o aumento de executivos negros na empresa. A diversidade humana e cultural é um ganho para as empresas em todos os aspectos, entre eles, o econômico.
Dá para saber as principais civilizações que foram trazidas da África para cá? A diversidade de civilizações e de idiomas ou dialetos prejudicou qualquer resistência ou luta contra a escravidão, num primeiro momento?
O Brasil recebeu um grande contingente de africanos oriundos da África Central, tendo no macro grupo étnico-linguístico Bantu a sua principal base desde meados do século XVI. Também foi significativa a presença de africanos da costa ocidental, entre eles: iorubá, fon, entre outros. As diferenças entre os grupos étnicos foram um desafio, porém também são reconhecidas várias proximidades, em alguns casos o próprio tronco linguístico próximo, como foi o caso de algumas etnias Bantu. Outro exemplo interessante foi a presença do conhecimento da língua árabe entre muitos negros da costa ocidental africana. Os quilombos entre os Bantu e a Revolta dos malês, organizados por negros muçulmanos e falantes e escritores do idioma árabe, são exemplos concretos de que apesar das diferenças entre os grupos, as organizações negras sempre existiram na busca pela liberdade.
O que levou o Brasil, um país que tem quase 60% da população afrodescendente, a não ter esse reconhecimento étnico, considerando até mesmo as classificações, como por exemplo, pardo, impostas pelo próprio IBEG?
As políticas eugenistas propostas no Brasil visaram desqualificar a importância das civilizações africanas e suas epistemologias na construção do País. O reconhecimento dos diferentes tons de pele indicados pela melanina revela o que já existe na África, a multiplicidade de fenótipos da população negra.
Como é possível lutar contra o racismo estrutural? Você acredita que essa luta envolve, além dos afrodescendentes, os antirracistas, pessoas não-negras?
A educação antirracista em todos os espaços da sociedade é fundamental, assim como promover mais espaços de acessibilidade para pessoas negras em diferentes instâncias públicas, empresariais, profissionais e de comunicação. Não pode ser natural a invisibilidade e ausência de negros em muitos lugares de decisão na sociedade brasileira. Trata-se de um processo de desconstrução de imagens que tentam naturalizar relações de opressão marcadas ainda pela mentalidade escravagista colonial. É fundamental nesse enfrentamento do racismo estrutural a ação dos brancos na ruptura com as bases racistas que ainda são mantidas no País.
Numa conversa surreal, o que diria a Zumbi dos Palmares sobre a atual situação dos afrodescendentes no Brasil?
A sua bênção Zumbi. Ainda estamos em resistência e nos aquilombando. A sua referência nos inspira a seguir o caminho da garantia da cidadania, pressuposto para nossa plena liberdade ainda não alcançada.
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Professor Doutor Antonio Filogenio de Paula Junior – e-mail: antoniofilogenio@yahoo.com.br .
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