No meio da efervescência cultural proporcionada pelo 7º Afropira – evento em homenagem ao Dia da Consciência Negra -, alunos do curso de Jornalismo da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), integrantes da Agência Baobá Comunicação – criada em disciplina acadêmica para produzir e difundir conteúdo sobre igualdade racial e valorização da cultura negra – circulavam com equipamentos de mídia para registrar toda a vivência alusiva ao líder quilombola Zumbi dos Palmares, assassinado em 20 de novembro de 1695, presente na resistência das gerações atuais.
Uma das integrantes da Agência Baobá Comunicação, a aluna do 4º semestre de Jornalismo da Unimep, Jeniffer Castellar Oleca, 20, afrodescendente apaixonada por cultura, diz ter escolhido o Jornalismo porque sempre “amou” escrever. “Meu tio foi meu maior motivo para amar a escrita. Ele tem deficiência intelectual baixa, mas gosta de escrever poemas e ler”, conta a jovem que atua em um grupo de WhatsApp e no Facebook, difundindo ações da cultura afro-brasileira juntamente a outras pessoas da comunidade negra, na cidade de Araras, onde ela reside. “Ainda existem poucos negros na área de comunicação, especialmente no Jornalismo. É uma realidade que ainda enfrentamos”, pontua.
Somados à equipe da Baobá Comunicação, jornalistas afrodescendentes com anos e até décadas de experiência profissional contribuíram com depoimentos sobre a relevância do Dia da Consciência Negra e produção de conteúdo durante a programação do 7º Afropira, realizado pela Prefeitura de Piracicaba, por meio da SemacTur (Secretaria Municipal da Ação Cultural e Turismo), nas instalações do Engenho Central. Entre os jornalistas experientes, Ivam Galvão, que também é filósofo e teatrólogo, contribuiu com a agência.
Galvão começou no Jornalismo em 1974, já atuou em veículos impressos internacionais islâmicos e atualmente faz parte da bancada do programa Os Comentaristas da Rádio Educadora 1060, em Piracicaba. O profissional destacou a importância da mídia para a comunidade negra. “Comunicação é fundamental para a nossa luta, principalmente, porque somos a maioria de uma população, mas não nos enxergamos nos principais veículos de comunicação. Evidentemente, que um profissional qualificado, bem informado, que costuma viver o dia a dia do seu povo, que atinja um ponto de comunicação, é fundamental para a transformação necessária que o Brasil precisa”, analisa.
Ter jovens jornalistas no mercado de trabalho, nos veículos de comunicação, para Galvão é sinal de que a luta está dando resultado. “No começo da história deste País, nós tivemos jornalistas negros como José do Patrocínio, Luiz Gama, e tantos outros que contribuíram com a abolição da escravidão, através de seus artigos contundentes. A juventude que chega é bem-vinda e é a esperança da continuidade de uma luta. É importante que esse profissional se qualifique, mas que tenha consciência de seu papel, da sua negritude, para que possa contribuir, caso contrário, ele repete, reproduz o que o sistema quer”, alerta.
Leonardo César Benedito, 22, aluno do 8º semestre do curso de Jornalismo da Unimep faz parte na nova geração de afrodescendentes nos meios de comunicação. Desde pequeno sempre gostou de ler e escrever. No processo de sair do ensino médio à procura de uma faculdade, listou os cursos que mais se identificava. Jornalismo prevaleceu, por ser uma profissão que “conta histórias”. Para Leonardo, a Baobá Comunicação é iniciativa acadêmica importante. “Desde que eu comecei a faculdade, enxerguei o Jornalismo como uma área extremamente elitizada, que procura histórias de pessoas mais favorecidas socialmente, geralmente, as pessoas brancas. Então, a Baobá, com essa iniciativa de procurar pautas voltadas à população negra, histórias que as pessoas negras gostariam de ouvir, leva o Jornalismo a todos, abre portas, derruba paredes”, enfatiza.
A preocupação com a inserção do negro no Jornalismo, seja como fonte de entrevista ou atuação no mercado de trabalho, destaca Leonardo, é importante para a formação pessoal e profissional dele, por abrir horizontes. Filho de pai negro e mãe branca, o estudante conta que a questão da militância negra nunca foi pautada dentro de casa. “Eu fui ter conexão dentro da academia e através de relações com pessoas pela internet, em fóruns, comunidades, por volta dos 18, 19 anos. Isso despertou em mim a militância, a vontade de procurar mais sobre a minha afrodescendência. Mas aconteceu tarde, se comparado, hoje em dia, com crianças que são ensinadas desde pequenas dentro das famílias”, relata.
AGÊNCIA
De acordo com o professor Paulo Roberto Botão, a Agência Baobá nasceu enquanto produto da disciplina Assessoria de Imprensa, ministrada por ele aos alunos do 4º e 5º semestres do curso de Jornalismo, o qual é coordenador. “A gente optou por criar uma agência que produzisse conteúdo em cima de um tema e o escolhido foi a questão da consciência negra. A partir disso, no início deste semestre demos um nome para a agência, o curso de Design da Unimep fez a identidade visual, inclusive a sugestão do nome: Baobá, uma árvore que remete à ancestralidade, à raiz, à cultura negra. Na África, os negros se reúnem em volta do Baobá”, explica.
Desde o início do segundo semestre de 2019, os alunos produzem conteúdo para a Baobá, sendo que em 20 de novembro deste ano – Dia da Consciência Negra –, como atividade final, saíram a campo para cobrirem o 7º Afropira. “Primeira vez que o curso cobre o Afropira, com alunos não apenas do 4º e 5º semestres, como também de outros, além de jornalistas atuantes, que foram convidados”, detalha.
Entre os jornalistas convidados estavam: Debora Ferneda, da empresa Mirante, Bruna Togni, do Sindicato dos Bancários de Piracicaba e Região, Eliana Teixeira, do jornal A Tribuna Piracicabana, Ivam Galvão, da Rádio Educadora 1060 e Martim Vieira, da Câmara de Vereadores de Piracicaba. “Cada um desses profissionais fez um vídeo sobre o 20 de Novembro e uma matéria especial, que será publicada no site do curso”, destaca Botão, que há 30 anos é professor de Jornalismo.
Para Botão, o profissional de Comunicação, especificamente o jornalista, é fundamental na inclusão do afrodescendente na sociedade. “Para os alunos, muito mais importante do que aconteceu no Afropira, é o aprendizado durante este semestre. Eles estão tendo contado com a cultura, com as pessoas, com a importância das lutas do movimento negro. O Jornalismo tem que ser uma atividade que promove cidadania e, uma das formas de promovê-la, é trabalhar as questões de setores da sociedade que são de alguma forma prejudicados, marginalizados, entre os quais, a gente vê a população negra do País”, avalia.